História do Cão de Água Português.


Quando se fala na origem do Cão de Água menciona-se a hipótese de que tenha surgido como cão pastor na Ásia Central e que tenha sido trazida para a Península Ibérica pelos bárbaros. Dados arqueológicos permitem afirmar a existência de cães de gado que teriam originado, por cruzamentos consanguíneos, um tipo semelhante ao cão de água. Há também provas que indicam que na era pré cristã, era considerado um animal sagrado, e quem matava um cão de água, recebia severo castigo.Sabe-se seguramente que em toda a bacia mediterrânica, um cão de tipo mais ou menos idêntico ao actual era usado pelos pescadores e originou diferentes raças de cães de água hoje existentes. A história de Portugal é rica em invasões e descobertas, e sendo um povo de navegadores, é aceitável que os levassem como auxiliares na suas deambulações marítimas e os tivessem difundido pelas várias regiões. Daí há quem defenda que o cão de água é o ascendente do cão da Terranova, Chesapeake Bay, Retriever do labrador, Poodle e até o Cão de água irlandês. Em 1588, 130 navios da Invencível Armada partiram de Lisboa, levando cães a bordo. Ao largo da Irlanda, não só devido a grandes tempestades como à derrota perante os ingleses, muitos navios se afundaram e apenas metade dos barcos regressaram. Crê-se que muitos dos cães tenham sobrevivido e misturados com raças locais, tenham originado o cão de água irlandês.

O mais antigo escrito sobre a existência do Cão d’água em Portugal, data de 1297. Um monge descreve o salvamento de um pescador por um cão de água. "O cão tinha o pêlo comprido e preto, tosquiado até à primeira costela, e com um tufo na ponta da cauda".

Durante séculos os cães de água foram utilizados como auxiliares dos pescadores em quase toda a costa portuguesa. É manifesto o carinho dos pescadores pelos animais e interessa frisar a importância que é dada pelos mesmos ao trabalho do cão, considerando-o integrado na campanha, tendo como qualquer camarada, direito a um quinhão de peixe para comer e mais a quarta parte em dinheiro, do que ganha qualquer outro membro da campanha. Peixe e jorna, são entregues a um dos tripulantes, que fica encarregue de alimentar e bem tratar o animal.

Raul Brandão, faz referência a este cão no seu livro “Os Pescadores”, a respeito da faina nos caíques de Olhão : “Tripulavam-no vinte e cinco homens e dois cães, que ganhavam tanto como os homens. Era uma raça de bichos peludos, atentos um a cada bordo e ao lado dos pescadores. Fugia o peixe ao alar da linha, saltava o cão no mar e ia agarra-lo ao meio da água, trazendo-o na boca para bordo.”
Com a evolução das técnicas de pesca, as suas aptidões deixaram de ser apreciadas, passando a ser, portanto, desnecessárias. No inicio do sec. XX, o cão de água começou a ter o seu posto de trabalho ameaçado, e o seu número diminuiu, acabando por prevalecer quase e apenas na Costa Algarvia. Pelos anos 30 os cães começaram a ser cada vez menos vistos a bordo dos barcos. Eram cães de pobres e, como eles, nasciam, viviam e morriam, sem história. Como reflexo, os tratadistas cinológicos ao descreverem as raças estrangeiras, ignoravam-na. Nunca tinham sido vistos nem apresentados em exposições caninas.
Em 1934, na Exposição Internacional de Lisboa, dois cães desta raça foram expostos. Frederico Pinto Soares, fundador da Secção Canina do Clube Português de Caçadores (mais tarde Clube Português de Canicultura), natural de Sesimbra, tinha descoberto estes dois cães na referida vila a bordo de um barco. Depois de muita relutância, os donos destes animais, acederam a que os mesmos fossem apresentados na referida exposição. E pela primeira vez dois cães de água foram apresentados em ringue, com o corte de leão e inscritos como “barbedos”. A presença destes dois animais chamou atenção e despertou o interesse de Vasco Bensaúde, açoriano de origem hebraica, bastante abastado, com empresas na área da navegação e comércio. Ele próprio era secretário geral do Clube de Caçadores, canicultor e criador de clumber e cocker spaniel. Com ele, nasceu a história moderna do cão de água português, a sua selecção e o estalão oficial da raça. Decidido a obter alguns destes exemplares, Vasco Bensaúde indagou no Algarve sobre a existência destes cães. O LEÃO era o cão de companhia e trabalho de um pescador, supõe-se que de Albufeira. Vasco Bensaúde, que tinha posto os seus barcos pesqueiros e muitos amigos seus na pista de bons cães de água, terá ouvido falar deste cão pela boca do Médico-Veterinário Prof. Dr. Manuel Fernandes Marques, seu grande amigo. Com a intenção de observar e adquirir o cão deslocou-se propositadamente ao Algarve, onde os seus desígnios encontraram um inesperado obstáculo: o dono do LEÃO não o vendia nem trocava por preço nenhum, e declarou que só o vendia no dia em que lhe saísse a sorte grande. Vasco Bensaúde terá regressado a Lisboa bastante decepcionado, mas certamente não desistiu. Semanas depois recebeu um recado do filho do pescador, tinha saído a lotaria ao seu pai, e podia ir buscar o cão. Este cão, viria a servir de modelo para o estalão da raça, da autoria dos médicos veterinários Drs. Frederico Pinto Soares e Manuel Fernandes Marques, em 1938. A seguir ao Leão, mais 3 cães vieram do Algarve, DINA, VENESSA e NERO. E no dia 1 de Maio de 1937, nasceu a primeira das 36 ninhadas do canil ALGARBIORUM, 8 cachorros, filhos de LEÃO e DINA. LEÃO foi pai de 6 ninhadas e 30 cachorros, morreu durante a 2ª Guerra Mundial e foi enterrado debaixo de uma magnólia, na Quinta de Benfica. Quando LEÃO morreu, Bensaúde escreveu : “não sei se alguma vez irei ter um cão magnífico como este, mas pelo menos poderei dizer que ele fez parte da minha vida e do meu canil. Vasco Bensaúde era um criador experiente, e muito bem informado e conhecedor das possíveis origens da raça. Tentou seleccionar as características únicas que diferenciavam a raça de outros cães de água na altura. A sua selecção foi bastante consanguínea, e se bem que preocupado com as aptidões naturais destes cães, a sua primeira preocupação foi estabelecer um tipo morfológico uniforme. Eram colocados fora de reprodução animais com más mordidas, parti-colores (Bensáude preferia o preto sólido) e cães com presunhos; Muito embora este último defeito fosse facilmente removido, seriam perpetuados geneticamente. Todos os cães eram testados em aptidões naturais, nos tanques existentes no canil, mas, mesmo os menos aptos eram usados no inicio da selecção. Todos os cães que ele não achasse bons o suficiente para criar, mas com boas aptidões para trabalho, colocava-os a bordo dos seus navios. Em 1960, os resultados da sua criação selectiva eram evidentes. Todos os cães produzidos tinham precisamente o mesmo tipo, cores sólidas, com poucas marcas brancas, e excelentes cães de trabalho, constantemente postos á prova. Ao longo de anos, muitos dos cães produzidos que apresentassem desvios ao standard, ou que não lhe interessasse usar, eram oferecidos a amigos, a maioria estrangeiros residentes em Portugal e outros fora do país. Cães de cor branca, creme, cinzenta, pequenos, com pouca estrutura não eram usados. Mas eram usados por outros ( a quem ele os oferecia) e alguns começaram o que se poderia chamar uma linhagem secundaria do Canil Algarbiorium. E muitos desses cães, mais tarde foram para fora do país com os seus donos, vendidos ou oferecidos a outros.É o caso da fêmea de nome FARRUSCA (filha de Azinhal Algarbiorum e Dala Algarbiorum), de cor cinzenta. Bensaúde ofereceu esta cadela a um amigo chegado, o belga Pierre Teisseire. No entanto, a consanguinidade no canil Algarbiorum era muito grande e os cães estavam a ficar muito pequenos, e segundo Fausto Santos, responsável pelo canil, havia necessidade de introduzir sangue novo. Em 1963, encontrou em Algueirão, um macho grande de pelo encaracolado. Pediu permissão ao dono do cão para o usar como reprodutor e a primeira ninhada nasceu nesse mesmo ano, composta por quatro fêmeas pretas, ENGA, ESCUTA, ESPADA e ESPIA. A mãe era SALEMA Algarbiorum e o pai, o novo macho registado com o nome de TABU.

Entretanto em 1954, outra pessoa entrou na história dos cães de água. Era o Dr. António Cabral, veterinário da Câmara Municipal de Lisboa, e mais tarde presidente do Clube Português de Canicultura. Não lhe agradava o monopólio da raça pela parte de Bensaúde. Partiu então rumo ao Algarve à procura de cães de água. Encontrou um macho de estrutura mais ligeira que os cães de Bensaúde, mas de excelente tipo. Esse macho era o Silves, e mais uma vez, o grande problema surgiu. Ao tentar comprar o animal ao pescador, este respondeu: “Não dou nem vendo, senhor doutor. Não insista. Estes cães não se dão nem se vendem!". E então a pergunta inspirada ao pescador da Praia do Carvoeiro: "Estão e se trocássemos?". "Ai isso já é outra coisa!". E, conversa havida, o pescador acedeu a trocar o cão por uma cana - uma cana que fosse boa para a pesca. Foi uma cana da índia, da Quinta de Mata-Mouros, em Silves, que esteve na origem dos cães de Alvalade. O Dr. Cabral cruzou o Silves com a fêmea de origem Algarbiorum, Farrusca, tendo ficado com uma cadela de nome Galé. Foram estes dois cães os fundadores da linha de Alvalade, tenho nascido a primeira ninhada em 1958, composta por um macho, LAGOS DE ALVALADE, filho de SILVES e GALÈ. Até 1979, o Dr. António Cabral registou 17 ninhadas, num total de 76 cachorros. É importante dizer que o cão de água não era a principal raça do Dr. Cabral, o seu principal interesse era nos fox terrier de pêlo curto, e criou excelentes exemplares desta raça. Interessou-se também pelo cão de serra d’aires e pelo podengo português médio de pêlo cerdoso. Nas instalações anexas ao canil municipal, na Quinta da Ameixoeira Grande, instalou os seus cães de água, e o nome ALVALADE, tem a ver com a zona de Lisboa, onde se situava na altura, nos arrabaldes da cidade. (mais sobre o tema aqui.)


Sobre esta raça:

  • Animal de carácter calmo e adaptável ao estilo de vida do dono, seja ele numa casa, apartamento ou barco.... apenas tem que fazer parte da “tripulação”; É muito resistente à fadiga;
  • Expressão atenta, extrema inteligência, visão e olfacto; Tipo mediolíneo, equilibrado, robusto e bem musculado; Pelagem comprida ondulada ou um pouco mais curta e encarapinhada; Cores preto, castanho e branco sólidos. Nos pretos e castanhos poderão existir malhas brancas;
  • Altura – 50 a 57 cms para os machos, sendo 54 cms a altura ideal. 43 a 52cms para as fêmeas, sendo a altura ideal de 46 cms.Peso – 19 a 25 kg (machos); 16 a 22 kg (fêmeas).

Fonte: http://www.pedradaanixa.com/

Sobre o Cão d'Água AQUI.

Sem comentários:

Enviar um comentário